segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Nelson na Avenida

Nelson na avenida

RIO DE JANEIRO - Nelson Rodrigues tinha seis anos e meio no Carnaval de 1919, quando viu a primeira mulher nua, ou quase, de sua vida. Era uma odalisca de umbigo de fora, que, de um carro aberto num corso, jogava beijos para as calçadas. Nelson a conhecia. Era sua vizinha, uma santa senhora. Até então, só a vira de cara amarrada e vestido fechado. Mas, naquele Carnaval -o primeiro depois da gripe espanhola, que matara milhares no Rio-, ela soltava literalmente os véus.

Ele nunca superou essa visão.

Aliás, Nelson nunca se habituou à nudez, que, para ele, tinha algo de sagrado. Por isso lamentava que o cinema, o teatro, a TV, o Carnaval, a praia etc. a estivessem vulgarizando. Seu termômetro era o "crioulo do Grapette", o vendedor que, junto à sua carrocinha na calçada, olhava distraído a paisagem, ignorando as deusas douradas, molhadas, de biquíni, que saíam do mar para comprar o refrigerante.

Nelson será enredo de uma escola do Carnaval carioca de 2012, a Viradouro, de Niterói. Já há algum tempo, as escolas do Rio abandonaram a nudez pela nudez e contiveram a metragem de pele exposta a limites que até Nelson aprovaria. Em troca, a ideia que a escola talvez faça dele -a de um imoralista, baseada em personagens como a Bonitinha, mas Ordinária ou a Dama do Lotação- não poderia ser mais equivocada.

Não importa muito. Se os intelectuais passaram o século sem entender Nelson direito, por que uma escola de samba deveria deitar cátedra sobre ele na avenida?

O mais importante estará lá: Nelson como um baluarte da liberdade de expressão, da luta contra a censura e da identificação com o futebol, o subúrbio e a gíria do povo. A Viradouro deve brilhar, mas, para fazer justiça ao universo de Nelson Rodrigues -seus tipos, frases e obsessões-, uma escola é pouco. 
Seria preciso um Carnaval inteiro.

Ruy Castro

domingo, 9 de outubro de 2011

Isto é para os loucos




“Isto é para os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os que são peças redondas nos buracos quadrados. Os que veem as coisas de forma diferente. Eles não gostam de regras. E eles não têm nenhum respeito pelo status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou difamá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Eles empurram a raça humana para frente. Enquanto alguns os veem como loucos, nós vemos gênios. Porque as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo são as que, de fato, mudam.”

Steven Paul Jobs, 1955 - 2011

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O hino que faltava


Companheiros, a seleção venceu e convenceu. Convenceu, sim, e por três motivos: foi contra nossos hermanos, tinha um troféu em disputa -e sabemos, brasil e argentina é final de copa do mundo até em futebol de botão; e a torcida foi centro-avante.  

O que mais me admirou foi o uníssono antes do início da partida. O que foi a torcida, após a pausa da reprodução do hino, complementando com sua voz saudosista de boa cantoria de massa? Não conseguirei ver algum brasileiro que não veja isso e não se orgulhe, mesmo que no fundo sinta ódio pelos podres -e convenhamos, o ódio e o amor são siamêses progênitos da paixão. Ufanismo não, realismo visto, comprovado. Empirismo por fato, eram mais de 42 mil pessoas provando aos milionários em campo que uma das motivações mais efetivas pra qualquer esportista (arrisco a dizer ser humano) é a paixão. E este foi o diferencial.

A maioria dos que estavam ali em campo sentem no dia a dia o que é ver os que estão na europa terem privilégios, estarem mais em foco mesmo não jogando nada, e serem convocados, pura e simplesmente porque estão em foco. Uma chance após ser convocado para a seleção, no Brasil, atuando em clubes do Brasil e é uma viagem de bom senso aos princípios das seleções vitoriosas. Ontem, ao se postarem ante dezenas de milhares de pessoas, e ouvirem o uníssono centro-avante, os jogadores da nossa seleção perceberam algo que não há na europa, o Brasil.

Parabéns à torcida, que compensou qualquer carretilha ou gol com apenas uma coisa.

O hino que faltava.
 

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A Carretilha de Damião


Companheiros, o que foi o drible de Damião ante nuestros hermanos agora-perdidos?

O gol, em certas ocasiões, é mero figurante. De menos, como ontem. Segundo tempo frio feito corpo de grã-fina, a saudosa couruda sintética rolava pela direita. O defensor argentino focava a bola com confiança, mas Damião -Leandro Damião, como gosta de ser chamado. Compadeço, poder ser confundido com porteiro é bucha- resolveu cravar a marca de sua fase neste ano em alto garbo.

Com ambos os pés, segurou a bola que estava à frente, soltou-a à altura de suas costas, encobrindo o defensor argentino -cujo deixo no anonimato, para o bem de sua carreira. O hermano está a procurar a bola até então. Não satisfeito, Leandro Damião, ao fim do perdido que deu no argentino, chutou em direção ao gol, pela diagonal, quase encobrindo o goleiro e aterrisando na baliza direita. Mas por capricho e prepotência, a sintética argentina ficou invejosa, não foi com a cara de Damião - desde o primeiro tempo- e não entrou. Aos brasileiros e ao artilheiro do Brasil, resta a prova de que não só sabe se virar dentro da área. A catimba brasileira é a ginga, o drible, a manha.

A argentina é a perda e a busca.